A hipocrisia em criminalizar a maconha

     Um assunto que vem gerando muito o que falar é a descriminalização da maconha. Marchas e protestos estão causando uma imensa repercursão na mídia por conta da repressão governamental sofrida. Ficou famoso o episódio paulista em que milhões de pessoas — incluindo universitários, trabalhadores e até mesmo alguns idosos — saíram às ruas para lutarem pela legalização da maconha e foram impetuosamente violentados pela Polícia Militar (que, por sua vez, estava sob ordens do Estado) com força bruta, gás pimenta e muitos cacetetes, na tentativa de coagir os manifestantes e cessar o pingo de liberdade de expressão que ainda os restava.
     Embora existam muitos argumentos por parte do Governo para justificar a criminalização da maconha, a maioria deles são insustentáveis, uma vez que são baseados em meros tabus.
     Talvez o mais frequente dos argumentos é o que alega que a maconha é extremamente prejudicial nos usuários, o que não é bem verdade. A Universidade do Alabama, depois de anos de pesquisa e com mais de cinco mil entrevistados, descobriu que o uso moderado da erva não causa qualquer sequela: nem mental, nem corporal e, para a surpresa dos pesquisadores, tampouco no pulmão. Por outro lado, esse mesmo estudo revelou o que já esperávamos: naturalmente, assim como qualquer outra droga, a utilização em excesso pode acarretar modificações permanentes nos neurônios e desequilibrar os circuitos cerebrais.
     Será que essas consequências — causadas pelo uso em excesso — são suficientes para a proibição da maconha? Se sim, o que o álcool e o cigarro ainda fazem na lista das drogas legalizadas? A British Lung Foundation, uma fundação britânica que trata da saúde pulmonar, divulgou uma tabela que indica que um cigarro convencional, de tabaco, equivale a vinte cigarros de maconha. A nicotina é, sem sombra de dúvidas, dezenas de vezes pior que a maconha, e nem por isso o cigarro é ilegal.
     Outro elemento a ser considerado é o vício. De acordo com a publicação da Cannabis Policy, apenas 9% das pessoas que experimentam maconha tornam-se dependentes, enquanto para o tabaco essa estatística é de 32%, e para o álcool é 15%. Isso automaticamente nos obriga a descartar este argumento e ir para o próximo: “se a maconha for liberada, não haverá limites de proibição para as outras drogas”.
     Na Holanda, com a regularização da maconha — permitida somente dentro de determinados locais, como nos coffee shops — as estatísticas fugiram às expectativas, porém, para melhor. Além de manter um controle e estabelecer lugares específicos para o uso da planta, a migração para as outras drogas (como a heroína e a cocaína) caiu drasticamente. Usando esse acontecimento extraordinário como base para uma análise psicológica, é possível concluir que, ao legalizar a maconha, rompemos sua conexão com drogas mais letais.
     O grande problema do Brasil é continuar com suas políticas infantis baseadas em senso comum. Proibir algo se baseando em pura hipocrisia (no sentido de liberar o cigarro e o álcool mas a maconha não) não vai impedir ninguém de utilizar a droga. Tudo o que é proibido é, de fato, mais gostoso. Até mesmo grandes mestres conceituados como Fernando Henrique Cardoso apoiam a legalização da maconha. “A repressão não é o caminho”, afirma ele.
     Existem também alguns argumentos contrários facilmente rebatíveis. A questão de que as pessoas não-fumantes não são obrigadas a tolerar a fumaça dos que fumam, por exemplo, seria resolvida do mesmo modo que lidamos com o cigarro: lei do fumo — só seria permitida a utilização em lugares específicos. Quanto à idade, a regra também seria a mesma coisa que a vigente: seria autorizado o uso somente para maiores de 18 anos, ou em casos medicinais.
     Ao fim, é preciso aceitar que a única coisa que torna a maconha pior que as drogas lícitas é o tabu que a envolve. Desta maneira, quem bebe e/ou fuma e é contra a legalização da maconha, além de ser hipócrita, baseia suas decisões apenas em preconceito infundado. Por outro lado, a ideia que algumas pessoas têm de proibir todas as drogas — sejam elas lícitas ou não —, embora seja consistente (ao contrário da hipocrisia supracitada), não passa de uma utopia, uma vez que o Governo dá maior prioridade à economia do que à saúde da população.