Pegadas na areia

    Nunca morremos, pelo menos não de verdade. O mundo parte de nós, mas o fato é que nunca partimos dele. Ficam aqui nossos ideais, medos e paixões. Fica aqui tudo o que nos faz verdadeiramente humanos. Uma biblioteca contém mil e uma almas, eternizadas pelas palavras. Horcruxes de tinta e papel.
    Não somos imortais da maneira prepotente como Hollywood costuma pintar seus heróis. Ao contrário destes, somos frágeis, cosmicamente insignificantes, imperfeitos. Refiro-me a um tipo deveras diferente de heroísmo e sobretudo de imortalidade. Um tipo que definitivamente não está relacionado à ideia (des)confortável de viver incontáveis milênios. Um tipo que não está nos discos, nem na poesia composta pela metade. Falo, antes, de uma imortalidade real, palpável, humilde e que está bem debaixo de nosso nariz.
    Servimos de alimento para as flores que aparecem timidamente sobre nossos túmulos. Porém, mais que isso, cada uma das sementes que plantamos ao decorrer da vida nasce e floresce em todas as pessoas que tocamos de alguma forma. Sempre haverá um pouco de nós na gentileza de nossos filhos e netos, que decerto aprenderam algo conosco e nos levam em forma de gestos. Deixamos marcas, pegadas muito fundas na areia, e elas estarão sempre ali para os que tiverem a sensibilidade para vê-las.