Um sistema educacional em ruínas

    Que a educação brasileira não é grande coisa, todos já sabem. No entanto, o maior erro que devemos ter o cuidado de não cometer é tratar a questão de modo genérico, como se não houvesse mais esperanças e por isso fosse justificável uma análise superficial e conformada.
    É fato que o problema possui um enraizamento muito profundo, mas desvendá-lo e estudá-lo fica razoavelmente fácil quando são pontuados cada um os fatores que o desencadeiam.
    Ainda que eu esteja apto a discorrer apenas sobre o ensino público do Estado de São Paulo, em razão da meia década de experiência própria, não é completamente errôneo dizer que as considerações aqui feitas podem ser aplicadas ao restante do Brasil, uma vez que todos os sistemas escolares se integram, se não por um determinado padrão cultural, ao menos pelo fato de responderem ao mesmo órgão governamental, que é o Ministério da Educação.
    Comecemos pelo mais evidente. Existem dois problemas centrais quanto ao ensino público e, infelizmente, eles envolvem justamente os elementos mais cruciais de qualquer sistema educacional: o professor e o aluno. Está presente em ambos, pelo menos por linhas gerais, um desinteresse mórbido, tanto em aprender quanto em ensinar. E apesar da facilidade que isso implicaria, não faremos aqui como fazem os que se contentam apenas apontando o que está errado. Iremos mais adiante, de forma a entender a fundo por que está errado.
    Salvo significativas exceções, a maior parte dos professores da rede pública revela uma enorme falta de disposição em ensinar. Em primeiro lugar, porque seu conceito de "ensinar" não tem absolutamente nada a ver com real aprendizado. Cresci aprendendo que, mais importante que prestar atenção na aula, é copiar o conteúdo do quadro negro. Não foram raras as ocasiões em que o professor gastava todo o tempo da aula escrevendo na lousa e saía da sala sem ter dito uma sequer palavra sobre a matéria. "É preciso deixar registrado o conteúdo", diziam eles. Pois bem: hoje não tenho nem os cadernos (devem estar perdidos por algum canto empoeirado da casa) e nem o conhecimento que devia ter sido passado a mim. De que adiantou?
    E o segundo fator que de certo modo explica a má vontade do professor é a questão salarial. Não é novidade para ninguém, mas os professores brasileiros estão entre os mais mal pagos do mundo. Além da desmotivação natural presente em qualquer profissional mal pago, há de ser considerado que um mercado que não é valorizado também não estimula uma legítima seleção de profissionais capacitados, pois estes não se sentem atraídos pelo ingresso na carreira.
    Porém, é importante perceber que postular os problemas em relação aos professores não isenta o aluno de qualquer responsabilidade. Este participa do processo escolar em absolutamente quaisquer critérios de análise e, sendo assim, a incumbência de um sistema disfuncional é em grande parte sua. No entanto, é muito precioso ressaltar que seria de uma tremenda falta de ética textual analisar isto de forma simplista, afirmando que a antipatia dos estudantes pela escola tenha surgido do nada e sem qualquer razão aparente. Não. Com certeza existe algo por trás desta postura, e é justamente sobre isto que precisamos refletir.
    As escolas tradicionais, do modelo que conhecemos hoje, foram criadas por volta do século XIX, sob inspiração da já ascendente industrialização. Não por coincidência, o sistema educacional teve sempre como base a teoria de psicologia comportamental — de grande aplicação à lógica industrial — denominada Behaviorismo Clássico, segundo a qual os seres humanos seriam como "massinhas de modelar", sendo os trabalhadores portanto suscetíveis a uma padronização conveniente aos dominantes.

O cerne da educação brasileira (...) é fruto de uma imaturidade pedagógica sem tamanho. Tratam o aluno como criança e esperam que ele aja como adulto.
    Mesmo centenas de anos depois, ainda jazem inúmeros resquícios desta mentalidade na escola contemporânea, mesmo que despercebidos. O uniforme, o horário de entrada e saída, o enfileiramento e o aspecto hierárquico da instituição; tudo isto e muito mais provém do modus operandi industrial. Ao final, o aluno acaba invariavelmente sentindo-se e sendo tratado como um operário, e se vê como que obrigado a cumprir um regime semiaberto durante boa parte de sua vida. São ignorados o ritmo e a dificuldade de cada um e qualquer manifestação de sua personalidade (como roupas diferentes, por exemplo) é reprimida, fazendo com que o estudante abra mão de sua bela, porém imperfeita humanidade para se adequar aos moldes de um sistema que trata todos como computadores a serem programados.
    Como se já não fosse motivo suficiente para o estudante criar uma certa repulsa ao sistema educacional, existe ainda a inaplicabilidade do conteúdo escolar na vida cotidiana, o que configura a maior falha do ensino básico como um todo. Sob o ponto de vista de um aluno comum, quase toda a matéria que lhe é ensinada na escola é absolutamente abstrata e dissociada da realidade. É incabível cobrar que o conteúdo seja bem recebido ou sequer absorvido se, na mente do estudante, a matéria é completamente inútil em termos práticos. Em vez de aprender, ele na verdade decora o conteúdo, muitas vezes na véspera da prova, para esquecê-lo logo depois de conseguir a nota. O processo de "aprendizagem", com ênfase nas aspas, torna-se mecânico, desgastante e improdutivo. O resultado? Os professores fingem que ensinam, os alunos fingem que aprendem e, ao final do curso, estes últimos recebem um diploma que revela uma função equivalente à de uma máquina de xérox, pois foi a única coisa que fizeram durante todo o período escolar.
    É claro que o pouco investimento — e sobretudo o mau uso deste investimento — na educação possui uma parcela de culpa na defasagem do ensino, mas seu peso é muitas vezes superestimado. Apesar de o ensino privado possuir uma certa vantagem qualitativa, a disponibilidade de maior recursos é apenas motivo parcial para esta discrepante diferença em relação ao público. Após dois anos estudando numa escola particular, percebi que a metodologia de ensino dos professores é diferente. Em via de regra, a preocupação maior destes é transmitir a matéria conversando com os alunos, usando a oralidade como base e o material didático como apoio opcional, e não o contrário, como ocorria na escola pública.
     Contudo, faz-se necessário ratificar que mesmo as escolas privadas não fogem à regra quanto a vários tipos de mentalidade citados nos parágrafos anteriores, como na mecanização do aprendizado, na organização hierárquica ou na padronização em formato industrial.
    O cerne da educação brasileira, seja ela pública ou privada, é fruto de uma imaturidade pedagógica sem tamanho. Tratam o aluno como criança e esperam que ele aja como adulto. Isso por si só já diz muito. Além disso, os pedagogos que comandam as diretrizes do MEC insistem em priorizar problemas levianos — através de mecanismos engolfados em burocracia inútil — e mascarar a situação em vez de dar enfoque aos verdadeiros problemas que tanto causam os déficits de ensino.
    A educação pode até ser a esperança para o futuro do Brasil, mas para que isto aconteça é preciso muito mais que trancafiar crianças entre quatro paredes por mais de dez anos e esperar que elas magicamente criem interesse em aprender. Mudar o país por vias educacionais requer constantes críticas a um disciplinamento antigo e sobretudo ineficaz. Devem ser vistas como bem-vindas propostas novas e funcionais que, apesar da incerteza que elas podem carregar, abrem espaço para discussões de cunho progressista visando sempre ao benefício da própria sociedade. É necessário deixar a arrogância pedagógica de lado e admitir que as ruínas de um sistema falho estão cada vez mais à mostra.