Saudade

Bem que dizem
Que há sempre dois prazeres em viajar:
O de partir
E o de chegar.

Matei a saudade daqui
E, agora,
Tenho saudade de lá.

Viagens são, afinal
A maneira pela qual
Tentamos encontrar nosso coração
Mas ele, distante em algum ponto inalcançável,
Sempre repousa longe de nós.

É a busca que dá sentido.

Movimento.

Desejamos estar onde não estamos.
Pertencemos em tudo.
Não nos encontramos em nada.

Pra não dizer que não falei das flores

    Tomo a liberdade de pegar emprestado este grito de guerra (ou, melhor dizendo, de paz) de outro contexto e de outros tempos para encabeçar este texto, que nada tem a ver com o Regime Militar de 64. Hoje, é justamente disso que eu não quero falar. É que, às vezes, a gente se cansa. O martelinho de juiz de Facebook fica muito pesado, e já não se tem mais vontade de dar murro em ponta de faca. As tentativas de diálogo são abafadas pela gritaria ensurdecedora, na qual só se ouve argumento muito mal construído. A sensatez é morta a pauladas, quando tudo o que resta é apelo emocional. O critério de (des)qualificação dos argumentos passou a ser a pessoa que os profere, e o despreparo intelectual se revela na medida em que discutir política se torna ataque pessoal. Se é isso que se entende por "normal", digam-me onde fica o hospício mais próximo que é para lá que eu vou.
    Não. Não serei partícipe deste concurso de monólogos. Fiz um acordo comigo mesmo de soltar somente as palavras que já não cabem mais na garganta, as que me escapam em situações em que o silêncio não pode com a hipocrisia e com a ignorância, e algo urge ser dito. De resto, entendi que é preferível resguardar minhas posições não tão consolidadas até que elas adquiram uma solidez maior. E não é nem uma questão de apatia política, de abdicação de responsabilidade social. Trata-se apenas de não dar passos maiores que minhas pernas.
    É decerto positivo o debate intenso sobre questões relevantes, em lugar do mero confinamento da opinião popular a assuntos futebolísticos, por exemplo; no entanto, eu, particularmente, optarei por não mais me envolver de corpo e alma em debates políticos, cheios de tantas ideias vazias que mal passaram por processos de digestão crítica, porque, ao que tenho visto, os resultados basicamente se resumem às rugas que surgem do estresse infrutífero. Nesse meio tempo, enquanto o mundo não está preparado para mim, e eu tampouco para ele, estarei por aí, propondo-me a refletir sobre a natureza das coisas belas e universais. Ao meio de tanto concreto cinza, inflexível e pesado... falarei das flores, que nascem tímidas no canto da calçada.