||| Atrás das grades |||

    A sociedade é regida por padrões endurecidos que foram construídos legal e moralmente ao longo dos séculos. E por mais que a maioria dos preceitos seja simbólica, estes não deixam de ser reais. Foram encrostados em nossa mentes desde muito cedo, de forma a torná-los, de certa forma, inquestionáveis.
    Um curioso exemplo disto é a ideia que temos de punição. Pelo menos do ponto de vista social, quando alguém comete um delito, convencionou-se que este alguém precisa sofrer as consequências. Essa concepção independe da natureza do regime; mesmo numa sociedade verdadeiramente democrática, na qual é impraticável a violação à vida por parte do Estado, existe a privação da liberdade. Afinal, é assim que a justiça deve funcionar. Certo? Nem tanto.
    É estranho pensar na falta de profundidade da empatia de algumas pessoas. Reside, na maior parte delas, o equivocado pensamento de que absolutamente tudo decorre de escolhas. Se assim fosse, a relação "causa e consequência" estaria sendo aplicada corretamente. O problema, porém, encontra-se justamente nisso. Generalizando — e, portanto, desconsiderando casos excepcionais —, ninguém rouba simplesmente porque quer.
    Soa-me extremamente infantil a mentalidade popular na qual percorre a ideia de que "Fulano optou pela vida do crime". Chega a ser triste ter que dizer o óbvio, mas agir em desconformidade com a lei não é uma mera escolha. As pessoas não acordam e decidem, por livre e espontânea vontade, serem criminosas. Na esmagadora maioria das vezes, essas atitudes derivam da necessidade. Isto é fruto de um sistema capitalista, corrompido e sobretudo mal administrado, acrescido aos fatores históricos dificilmente dissociáveis. A situação, brilhantemente ilustrada por Andrew Niccol n'O Preço do Amanhã, pode ser explicada de forma simples: para poucos serem extremamente ricos, muitos precisam ser miseravelmente pobres.
    O que fazer, então? Deixar impune os que desrespeitam as leis de boa convivência social? É óbvio que não. Perceba que não estou questionando, em nenhum momento, o fato de haver penalidade. Ela decerto deve existir. O que está em pauta é, na verdade, o conceito e principalmente a finalidade que se tem de punição.
    Peguemos a redução da maioridade penal, por exemplo. As pesquisas mais recentes revelam números assustadores quando dizem respeito à porcentagem de brasileiros a favor da redução: 92,7%. Isto significa que pelo menos 9 em cada 10 entrevistados acreditam veemente que inserir o jovem no sistema carcerário comum é a solução. A pergunta que fica é: vai resolver?

    Estão enganadas as muitas pessoas que cultuam, direta ou indiretamente, a ideia de que o isolamento dos indivíduos criminosos com a sociedade é a resposta. Em primeiro lugar porque, quer concordemos ou não, é fato que o tempo de prisão em nosso país não se estende significativamente; e em segundo, cadeia não é sinônimo de tratamento psicológico. Muito pelo contrário: muitos dos que lá entram, saem ainda piores. De nada adiantaria propor "punições mais severas", se o mais importante, que seria fornecer oportunidades igualitárias de trabalho após a saída para impedir que os ex-presidiários sejam impelidos à vida do crime novamente, não acontece.
    Diante da negligência estatal e da falta de empatia de ambas as partes — tanto da população em geral quanto dos que vivem à margem da lei —, é inevitável um processo com o qual infelizmente estamos habituados: a pessoa nasce e cresce rodeada de péssimas condições, é induzida ao crime (roubo, latrocínio e principalmente tráfico), entra no sistema carcerário, aprende novas técnicas e desenvolve a ideia de que o mundo é seu inimigo, e assim dá início a um ciclo vicioso.
    É claro que soluções rápidas e eficientes são completamente utópicas. Porém, fica evidente que o investimento em força bruta (como no treinamento de combate militar aos criminosos) atenuará o problema apenas temporariamente, mas resultados a longo prazo só poderão ser alcançados quebrando o ciclo e, seguindo o bordão popular, arrancando o mal pela raiz. Isto é, investindo verdadeiramente no que nos é de direito: saúde, segurança, lazer, trabalho e educação de qualidade. Você realmente acha que é mera coincidência países como a Finlândia liderarem os rankings de ensino do mundo e ao mesmo tempo possuírem índices de criminalidade tão baixas?
    No entanto, cabe pontuar que o grandioso educador Paulo Freire tinha razão quando disse que "seria uma atitude muito ingênua esperar que os dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas perceberem as injustiças". Se queremos mudanças, é preciso que as cobremos, pois elas não serão facilmente cedidas. Os problemas sociais continuarão existindo enquanto há pessoas que insistem em vê-los através de um ponto de vista simplista e arcaico, propondo soluções fáceis ("Joga na cadeia!"), porém ainda mais agravantes.