Cotas — livrando o Governo da responsabilidade com a educação

     Há pouco tempo publiquei um artigo de mesmo tema: cotas. Porém, reli-o e conclui que meu posicionamento na época não estava muito definido e que, além disso, meus argumentos estavam de certa forma fracos. Agora, após ter lido várias publicações de blogueiros e vlogueiros bastante expressivos (podendo citar principalmente o Pirulla), acredito que tenho uma opinião mais formada e mais crítica sobre o assunto.
     Antes de começar, porém, eu gostaria de deixar claro que estou ciente da distinção entre cotas raciais e cotas para alunos de escola pública. No entanto, este artigo tratará de ambos os tipos de cotas; algumas vezes em específico, outras no geral.
     Dentre os numerosos pretextos em prol da proposta das cotas raciais, o principal é, sem dúvida, o da "dívida histórica", cuja única premissa é a de que a sociedade atual tem o dever de reparar as atrocidades com o negro em épocas remotas, como a escravidão. Até aí, tudo bem; não podemos negar que ainda hoje os negros carregam consigo dolorosas cicatrizes (simbólicas, mas tão fortes quanto reais marcas), produto das truculências sofridas. Esse argumento seria muito bom se não fosse por um sutil erro que quase nunca é percebido. A função das universidades é exclusivamente transmitir conhecimentos aos estudantes e, com sorte, formar cidadãos esclarecidos e solidários. O dever de "saudar" essa dívida histórica é completamente do Governo; contudo, isso não é de mínimo interesse dos nossos governantes. Ao invés de elaborar soluções realmente eficientes — mas que demandaria dinheiro e principalmente esforço —, preferem jogar a responsabilidade para as instituições de ensino.
Isso se chama meritocracia. Sendo assim, as universidades não são as culpadas pela desigualdade, e sim as vítimas! Portanto, quem deve arcar com a responsabilidade de atenuar as injustiças é o Governo.
     Quanto às cotas para alunos de escola pública, alega-se muito a preponderância dos mais afortunados em universidades públicas. Ocorre então uma falsa (e também quase impercebível) atribuição de responsabilidade. Esse argumento parte da ideia de que o grande causador das desigualdades (tanto raciais quanto financeiras) são as universidades pois existe apenas um escasso número de alunos de baixa renda nelas incluídos. Como isso pode ser verdade se os vestibulares não dão preferência a ninguém? O que causa essa desproporção colossal é, na verdade, a qualidade da educação, no qual a "elite" (como alguns gostam de chamar) leva vantagem. Afinal de contas, a prova é exatamente para todos: pobres, ricos, brancos, pretos, amarelos, pardos. Na hora da classificação, os alunos não são selecionados por etnia, renda ou qualquer quesito desse tipo; eles são selecionados por nota, e isso se chama meritocracia. Sendo assim, as universidades não são as culpadas pela desigualdade, e sim as vítimas! Portanto, quem deve arcar com a responsabilidade de atenuar as injustiças é o Governo, que por sua vez, não está cumprindo com a sua mais importante obrigação: oferecer ensino de qualidade a todos!
     É claro que não devemos cometer o mesmo deslize que os socialistas geralmente cometem de ficar só visando a utopia e, consequentemente, ignorando os reais impasses. É preciso por os pés na realidade e encarar o fato de que ainda há um longo caminho a ser percorrido até que se possa alcançar a plena qualidade na educação pública. Entretanto, as cotas irão drasticamente desacelerar esse processo, senão pará-lo, já que ela livra os governantes da responsabilidade de tornar o ensino público eficiente.
     Por fim, para deixar meus argumentos mais claros, vou desenvolver aqui neste parágrafo uma metáfora análoga. Imagine uma balança de prato (como a da figura ao lado), que representaria o vestibular em si (quem está apto a entrar e quem não está). De um lado, temos a "elite", que pelos motivos supracitados, possui uma grande vantagem sobre o outro lado. Se o outro lado (no que se situam as demais pessoas) ainda não tem peso suficiente, o problema está nessa ausência de peso (que representa a base), não na balança. Deste modo, soluções devem ser elaboradas para resolver a discrepância de peso. As cotas não são nada mais que ajustes da balança, como se ela fosse a culpada pela desproporção. E como já foi dito: essa deformação na balança impossibilita a reparação do real problema.



* Este é o texto antigo. Confira o texto mais recente acerca do tema "cotas" em www.regiscardoso.com.br/cotas.