O Ebola e a
xenofobia patológica

    O Ebola é uma epidemia que tem se alastrado na porção ocidental da costa africana e tem tido ocorrências esporádicas de providência imigracional nos Estados Unidos e na Espanha, causando sobretudo erupções subcutâneas e hemorragias sérias de efeitos mortais. No Brasil, a natureza letal do vírus acabou por criar um terror infundado na população, apesar de não haver casos confirmados da doença em território nacional.
    O fato é que, muito embora exista sim uma certa contagiosidade deste Filo virus, esta não condiz com o imaginário popular que o associa a doenças transmissíveis pelo ar, como a tuberculose. O Ebola tem como vetores, na verdade, animais silvestres, dentre os quais se destacam os morcegos frutíferos, além de ter como vetores secundários as secreções endócrinas e exócrinas de humanos contaminados. Entretanto, a desinformação toma proveito da ingenuidade e do desespero alheios para corroborar a disseminação de boatos mal-intencionados.
    A mera insinuação de que o Ebola teria chegado ao Brasil fez com que fosse despertada nas pessoas uma preocupante xenofobia, o que não deixa de ser, mesmo que no sentido conotativo, outra patologia. Existe em torno desta problemática uma noção tórpida, frequentemente alimentada por ódio, que cria uma suposta relação entre as incontáveis etnias africanas com a doença em questão.
    Esta mesma xenofobia acaba se mesclando com o racismo, pois mesmo imigrantes haitianos, cuja proveniência é a América Central, estão sofrendo discriminações impronunciáveis na cidade de Cascavel, Paraná. Isto revela a ignorância das pessoas ao fazerem uma associação entre a cor da pele com a — errônea — origem geográfica que teoricamente justificaria uma aversão desumanizante e míope a estes povos, a qual nos remete invariavelmente à triste natureza histórica escravocrata da cultura brasileira.
    Isto tudo não apenas produz graves efeitos sociais, como também impede que haja uma efetiva divulgação das informações reais acerca do Ebola, impossibilitando assim uma prevenção e tratamento maiores.
    A situação requer medidas governamentais urgentes no sentido de capacitar o aparelhamento de saúde pública com centros especializados para lidar adequadamente com problemas que exijam atitudes imediatas, tanto com os métodos convencionais homologados quanto com tratamentos experimentais, contanto que estes não sejam danosos à integridade e dignidade do paciente. E, em absolutamente todos os casos, ainda que seja necessário o isolamento provisório, o enfrentamento da epidemia deve dar-se de forma madura, solidária e, principalmente, sem a culpabilização das vítimas.

— ELEIÇÕES —

Dilma ou Aécio:
dos males, o menor

    Com 18 anos, estou longe de ter uma posição política formada; até porque, se assim o tivesse, seria uma preciosa dica do quão cego determinada ideologia me deixara. Cá entre nós, ainda que eu tivesse 81 anos, não seria sensato cessar a busca por respostas e conformar-me com as que já obtive, cristalizando-as e defendendo-as de forma dogmática.
    Sendo assim, faz-se necessário dizer que este texto definitivamente não é um guia de como governar um país (deixemos isso para Maquiavel, sim?), mas, na melhor das hipóteses, uma coletânea de conclusões às quais esteve ao meu alcance chegar e que, lembremos, estão sujeitas a mudanças.
    Quem quer que vença as eleições, seja Dilma Rousseff (PT) ou Aécio Neves (PSDB), pouco importa. As nuances entre os eventuais mandatos dos dois oponentes são sim significativas, no entanto, de qualquer modo será insatisfatório. Isso porque, quanto à maioria das posturas práticas, não muda muita coisa. Ambos são campeões em corrupção; isso não é novidade para ninguém e uma rápida pesquisa na internet é suficiente para relevar informações assustadoras sobre os partidos que vão ditar as diretrizes do nosso Executivo nos próximos quatro anos. Além disso, as empresas magnatas que financiam as campanhas dos grandes presidenciáveis são as mesmas, certificando-se que o eleito, quem quer que seja, terá com elas "dívidas informais", digamos assim. E desta forma consolida-se cada vez mais a tão chamada plutocracia. O canal de humor Porta dos Fundos, sempre muito politizado, ilustrou a situação de maneira brilhante em seu vídeo "Financiamento", o qual disponibilizo abaixo.



    Contudo, vale lembrar que não existe a opção "tanto faz" nas urnas. Até existe, mas votar em branco, nulo ou mesmo não votar é desistir do direito que lutamos quase quatrocentos anos para conquistar. É frustrante, e eu entendo perfeitamente, que as opções sejam tão limitadas, mesmo no primeiro turno; mas se existe alguma esperança, ela nascerá justamente deste calor das discussões que suscita o interesse pela política e, por extensão, afasta os krakens do Congresso que parasitam o dinheiro público sob o nariz do povo.
    A alternativa que nos resta é colocar na balança as diferenças entre os candidatos e seguir o provérbio "Dos males, o menor". Após fazê-lo, acabei por concluir que o menor dos males é, neste caso, votar 13 no segundo turno. Farei-o com um certo pesar, pois as circunstâncias não me deixaram escolha melhor. Vejamos.
    Eu, de todas as pessoas, tenho uma certa ojeriza em defender Dilma. É doloroso ver um partido que se diz "dos trabalhadores" fazer tantas alianças com setores elitistas e tomar decisões em detrimento do restante da população, além de ceder para os mandos e desmandos de bancadas evangélicas e ruralistas. Entretanto, em todos os assuntos dos quais o PT é acusado, pelo menos no que tange às acusações plausíveis, o PSDB é igualmente — se não mais — sujo. E não sou eu que estou dizendo isso; o ranking da Justiça Eleitoral está: o partido que mais teve políticos barrados pela Lei Ficha Limpa foi o PSDB, com 56, em contraponto ao PT, com 18.
    A manutenção do "poder pelo poder" com certeza é uma característica do PT, mas também do PSDB, do PMDB (principalmente), e de quase todos os outros partidos. Ideologias no Brasil são apenas fachada para angariar mais voto e, por consequência, mais poder. Exponho abaixo um trecho de um texto que escrevi em maio deste ano, O Brasil e sua putrefação política, no qual discorri sobre isso.

No Brasil, não há esquerda e nem direita. Até os partidos que já fizeram parte de fortes reivindicações sociais, hoje já perderam seu compromisso com a ideologia. Esta já não vale mais de nada; é facilmente comprada. O Ministro Joaquim Barbosa foi muito feliz em sua colocação quando disse que em nosso país há somente "partidos de mentirinha". O PT da época das greves sindicais do ABC Paulista se envergonharia caso visse a postura de alinhamento à Bancada Ruralista que o partido tomou na última década de governo. O mesmo vale para o PSDB, cujos líderes tiveram profundas raízes políticas com a UNE e com o MDB, e que hoje tem sua integridade reduzida a pó.
    Quanto ao monopólio do poder por um tempo prolongado, o mesmo se aplica. Os defensores de Aécio costumam argumentar, com uma certa razão, que, se Dilma vencer as eleições deste ano, ao final de seu mandato serão 16 anos de governo petista. Esquecem-se eles, porém, que com a recente eleição de Geraldo Alckmin para governador do estado de São Paulo, serão 24 anos de PSDB quando terminar seu mandato. Isso diz muito sobre o que o partido de Aécio realmente pensa da rotatividade do poder: "bom apenas quando nos convém". E aos que estão fora de São Paulo, digo-lhes com experiência própria que o resultado deste governo não é nada bom; quem é daqui conhece muito bem o lado deste governo que relega as escolas estaduais aos destroços, fica de braços cruzados frente à grave escassez de água, permite a falência da renomada Universidade de São Paulo (USP), dentre outras abominações administrativas.
    Aproveitando para falar sobre a experiência da população com os governantes do PSDB, é muito importante mencionar que Aécio não teve a maioria dos votos para a presidência nem mesmo no próprio estado de Minas Gerais, do qual foi governador, como você pode conferir no infográfico à direita. Chega a ser irônico, mas, antes, relevador. Se ele teve noventa e tantos porcento de aprovação após o mandato no governo estadual de Minas, como adora esbravejar nos debates, por que não venceu no próprio estado?
    Discutindo com um amigo, ele me mandou um infográfico dos votos internos de Minas Gerais, mostrando que Dilma obteve a maioria dos votos apenas nas majoritárias cidades ao norte. Para ele, isso serviria de base para o argumento de que "Dilma só venceu em Minas Gerais por conta da influência do Bolsa Família nas regiões mais pobres".
    Aqui, chegamos num ponto de crucial importância, porque boa parte da população conserva pensamentos desse tipo. É realmente muito fácil usar o pseudoargumento de que "Bolsa Família é para alimentar vagabundo" (?????) debaixo do ar condicionado, tendo as oportunidades que você teve, ao contrário de muitos. A título de conhecimento e de extirpação da ignorância, é fundamental saber que, só até 2013, o programa já retirou mais de 36 milhões de pessoas da miséria e entender a relevância disso. Não é "dar o peixe sem ensinar a pescar", é fornecer condições para que as pessoas se alimentem antes de ir pescar.
     E quanto ao argumento — baseado puramente em "achismos", vale salientar — de que programas sociais causam conformismo e fazem com que as pessoas não queiram trabalhar, é interessante evidenciar que ele acaba não se sustentando quando confrontado pelos fatos: só em 2011, cerca de 40% dos beneficiários do Bolsa Família já deixaram o programa por iniciativa própria.
    É claro que isso não torna o governo federal ou seus programas sociais isentos de críticas, mas estas últimas só serão válidas se forem no sentido de que, sozinhos, os programas são insuficientes para a promoção de uma verdadeira ascensão social e econômica, bem como para o fornecimento de uma melhor qualidade de vida. Do contrário, se você realmente acha que R$ 70 por filho é suficiente para causar conformismo e desestimular a busca por empregos com remunerações mais satisfatórias, você está profundamente iludido ou, pelo menos, deseja estar.
     Agora, voltando ao argumento de meu amigo, não sejamos levianos: é claro que o Bolsa Família teve alguma influência sobre os votos de quem optou por Dilma no primeiro turno no norte de Minas Gerais. Todavia, isso também significa que tudo o que Aécio diz ter feito pela população mineira é tão ínfimo que não compete nem mesmo com meros R$ 70 do programa social. E se apenas a região sul do estado o elegeu em maioria, isso também quer dizer que Áecio beneficiou mais esta porção de Minas do que o norte, historicamente conhecido pela carência e, naturalmente, pela necessidade de atenção governamental, a qual aparentemente foi negligenciada.
    Tratando-se de discrepâncias entre governos, tendo como grandes protagonistas FHC e Lula, não compete a mim discorrer. Primeiro porque não sou economista, historiador ou qualquer outra figura que tenha autoridade acadêmica para tal, especialmente tendo em vista a complexidade que envolve os diferentes períodos e conjunturas políticas destes, e segundo porque há quem o faça. Contudo, acrescentarei algo simples e importante à roda de discussões: as operações contra a corrupção.
    Apesar de todos os escândalos envolvendo o PT, como o famigerado "mensalão", é fato que as operações contra a corrupção só tiveram início efetivo no governo Lula. Segundo dados oficiais da Agência Senado, reunidos numa publicação de Stanley Burburinho, e do Instituto da Alvorada, houve, no governo de FHC, 48 operações e 200 prisões, contra as 1273 operações do governo Lula, acompanhadas de 15754 prisões. Os ingênuos ou os mal intencionados podem dizer que a diferença gritante entre os números se dá por conta do aumento da corrupção, mas é muito claro que o que aumentou foi, na realidade, os instrumentos contra ela. No governo Lula também foi criado o Portal da Trasparência, que rompeu com a cultura de sigilo estatal presente por séculos, e, no governo Dilma, a Lei 12529, também conhecida como Lei de Acesso à Informação.
    Ademais, a História nos ensina que as privatizações do PSDB são vetores de exorbitantes desvios de verba: entre 1996 e 2002, a Polícia Federal estima que R$ 124 bilhões foram desviados com a privataria tucana e que recuperamos somente R$ 2 milhões, o que totaliza aproximadamente 0,0016% do total. Além disso, todo o discurso liberal das privatizações vai para o ralo quando defrontado pela cristalização das oligarquias de poder aquisitivo no Brasil, os cartéis informais, suscitados pelas privatizações de FHC, o que vai violentamente contra o conceito de livre concorrência. E, se me permite o desabafo, não estou nada interessado em assistir as universidades públicas — que, em geral, são parte de um dos poucos serviços públicos de excelência — serem privatizadas.
    Reitero, novamente, que em absolutamente nenhum momento afirmo que o PT seja a solução para o Brasil. Ainda que os comerciais de campanha da eleição de Dilma retratem um país colorido onde tudo é perfeito, nossos olhos não nos deixam acreditar nessa ilusão leviana, diante de tanta ingerência por parte da União. Porém, esse ódio anti-petista é, na essência, um cabresto ideológico que ofusca as opções e, o mais importante, as consequências do voto.