O antipetismo e a desesperança política

    Não costumo falar a respeito de política partidária porque, de um ponto de vista pragmático, estas discussões raramente passam de discursos vazios, cegados pelas paixões ideológicas. Apesar das romantizações da democracia teórica, é de conhecimento geral que esta mesma democracia foi solapada pelos grandes candidatos, que pegam carona no financiamento privado e fazem seu sucesso no ventre da ignorância e do desespero da população. Ao cabo, o que resta é apenas um jogo sujo entre máfias, ditas partidos, que se ancoram na ingenuidade fervorosa das pessoas, de modo a sobrar pouca ou quase nenhuma razoabilidade a ser solo de qualquer tipo de discussão produtiva. Assim, abro aqui neste texto uma exceção no compromisso que firmei comigo mesmo de não abraçar este tipo de assunto decisão que tomei para evitar ainda mais amarguras em vão pois partilho do sentimento generalizado de que o país está passando por um cataclismo político, não sendo este, portanto, o melhor momento para nos resguardarmos ao silêncio.

    Dias atrás cometi o deslize de lançar, sem pretensão alguma, um olhar na TV. Me arrependi amargamente, como todas as vezes em que o tenho feito, mas isto não vem ao caso; o pertinente a ser dito aqui é que um destes noticiários de horário nobre mostrava o seguinte levantamento estatístico: "O ex-presidente Lula é culpado?". Do que era culpado exatamente, não estava escrito, mas a eles pouco importava; nesta popularização (ou, por que não, banalização) do sistema penal, a única coisa que parece ter relevância é a punição. Mas ainda mais bizarro que este desprezo pela especificação e pela própria confirmação do crime é a presunção de que um processo penal pode ser decidido, ainda que apenas em hipótese, por plebiscito. A única resposta sensata à enquete televisiva seria "não sei", o que foi respondido apenas por uma insignificante porcentagem das pessoas e que, na verdade, deveria ter sido escolhido pela totalidade delas. Ora, uma coisa seria avaliar a credibilidade que possui a pessoa do Lula e o próprio partido que ele representa (o que, por óbvio, está seriamente comprometida); outra é querer que a população confirme um fato que é objetivamente verificável, quando muito, apenas pelo Poder Judiciário, jamais pelas crenças individuais das pessoas. O Brasil não é um grande Júri Popular, embora sugiram o contrário os crescentes movimentos de linchamentos que, em nome da "justiça pelas próprias mãos", promovem eles mesmos a averiguação do crime em suas próprias consciências e a aplicação das penas. O dia em que condenações forem emitidas com base na mera opinião de um grupo de pessoas, o Direito Penal estará sepultado.
    É claro que, da mesma forma, é um grave equívoco advogar cegamente pela inocência de figuras políticas envolvidas em casos de escândalo global. A resposta da enquete continua devendo ser necessariamente "não sei", pois, de fato, não há como saber. A isenção premeditada de culpa — ou seja, afirmar de antemão que tais indivíduos são inocentes, bem como manifestar-se contra a investigação destes — é algo que se isola numa ingenuidade frágil e quase obscena. Já disse isso em diversos textos (como nesse e principalmente nesse), mas por vezes é preciso reiterar o óbvio: os pontos positivos de um governo não podem jamais ser usados como escudo a críticas. O Partido dos Trabalhadores (PT) não está imune às investigações apenas porque melhorou substancialmente a qualidade de vida de boa parte da população que antes se encontrava na miséria. Uma coisa não anula a outra; é preciso saber ponderar e reconhecer os lados bons e ruins de um governo com a seriedade que este tipo de análise exige.
    Ademais, a abissal falta de credibilidade do partido mencionado não se dá majoritariamente pela "angústia que os ricos têm ao ver a ascensão de outras classes"; esta é uma resposta simplista e, mais do que isso, uma nítida falácia do espantalho. É, na realidade, fruto de uma descrença que contamina todo o sistema eleitoral por conta de uma alarmante crise de representatividade. As ruínas da velha política estão à mostra e os projetos de poder pelo poder ficam cada vez mais evidentes. É algo que se alastra por todos os partidos e por todos os âmbitos do poder. O PT encabeça essa desilusão política em razão da enviesada necessidade humana — incorporada sobretudo às massas — de associar determinados fenômenos a figuras políticas, principalmente as que ocupam o cargo mais importante da nação: a presidência.
    Desfazer essa ideia infantil de que o PT é responsável por todo o mal do Brasil é vital para o comprometimento com a lucidez do debate político, mas é algo que tem sido feito de uma forma consideravelmente porca. Apontar a crítica seletiva da população e do oligopólio midiático se faz indispensável nessa árdua tarefa de combater a paranoia conspiracionista que tem se tornado o antipetismo; no entanto, se há respeito à honestidade intelectual, isto não deve ser conduzido pela lógica que exime o PT apenas porque a corrupção não é exclusividade sua. A incoerência deve ser obrigatoriamente combatida, mas de modo a submeter à crítica social e à justiça institucional absolutamente todos os partidos e indivíduos, independentemente de seus alinhamentos políticos. O PT não deve ser exceção: nem para ser integralmente culpabilizado e muito menos para ser isentado.