Do vestibular à universidade:
Sete dicas

    Parece que foi ontem: pintei as letras do alfabeto, uma de cada cor, no caderno de brochura; passei então para as operações, tomando o cuidado de não misturar a casa das unidades com a casa das dezenas; veio, com o tempo, os números negativos, as frações e, quando me dei conta, o Teorema de Laplace, que mais parecia obra das trevas.
    Dos dezoito anos vividos até agora, foram quatorze de preparação para esse momento. Finalmente chegou o dia em que todo o esforço deu frutos. Quando vi meu nome na lista de aprovados do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, tudo — absolutamente tudo — valeu a pena. Digo isso pois não foi fácil. Vestibulando leva uma rotina complicada e a angústia causada pela incerteza só piora a situação. Pensando nisso, decidi escrever este texto, a fim de aproveitar que a experiência está fresca e, assim, ajudar com algumas dicas os que estiverem sentindo na pele o que eu senti durante todos esses anos.

ESCOLA
Tudo passa, até a uva escola passa

    Se você ainda está no ensino básico (fundamental ou médio), provavelmente não está tendo uma experiência agradável durante o período escolar. Você e quase todas as outras pessoas. Escola é um período turbulento com inúmeros problemas. Os que leram minha crítica ao sistema educacional em ruínas bem sabem o que eu penso: memorizar conteúdo inaplicável e abstrato em um sistema autoritário e inflexível é bem diferente de aprender. E não ajudam nada os coleguinhas desinteressados que divertem-se pisando nos que estão ali para aprender alguma coisa.
    Quanto a isso, meu conselho é: não esquenta, isso passa. De verdade. Você está lendo o texto de alguém que passou por isso (lê-se "nerd") e eu lhe garanto que, quando olhar para trás, rirá de como as pessoas que um dia tiraram sarro de você ficaram para trás, nos mais diversos sentidos. Você amadurecerá como pessoa e como profissional, enquanto alguns outros lamentavelmente provarão como correta a frase que diz "a pessoa sai da quinta série, mas a quinta série não sai da pessoa".
    Além disso, não superestime a importância das notas. Elas são úteis apenas na medida em que te passam de ano. O papo de que funcionam como indicador de desempenho é discutível, pois só é possível quantificar o aprendizado de maneira superficial. No vestibular, boletins bons provenientes de decoreba são inúteis. Por isso, aproveite o ritmo relativamente tranquilo do Ensino Médio para absorver o conteúdo.

CURSINHO
A extensão da escola?

    Consigo pressentir a quantidade de pessoas que me perguntarão sobre a necessidade de fazer ou não cursinho pré-vestibular, e diante destas vou jogar a real: cursinho não é extensão da escola. Apesar de muita gente fazê-lo como tal, é preciso encarar a realidade e perceber que o ritmo, a mentalidade e o espírito são outros.
    Sim, cursinho é "mais legal", como dizem por aí. Aulas com muita brincadeira (muitas peadas, como dizia um professor) para descontrair e uma liberdade enorme da qual gozam os alunos. De fato é assim. Entretanto, tudo isso vem com um preço. Não haverá mais pessoas dizendo o que você deve ou não fazer; é cada um por si.
    Deseja faltar aquele dia? Sinta-se à vontade, mas se vire para repor a matéria que equivale a duas semanas de aula do ensino médio. O mesmo vale para sair da sala. Sua preocupação não será passar de ano, e sim passar no vestibular, o que é bem pior em termos de insegurança e de incertezas para o futuro. "O que eu estou fazendo com a minha vida?" será um questionamento comum, caso você não tome as rédeas da própria disciplina e permita-se cumprir o horário de aulas, mesmo não sendo obrigado a tal.
    Caso esteja prestando um curso concorrido, especialmente se almejar uma universidade pública, é provável que precise de, no mínimo, um ano de cursinho. Não digo isso por desestímulo, mas por realismo, dadas as vagas escassas para a crescente quantidade candidatos que desejam preencher as vagas das universidades. Serei franco: não será fácil, muito menos animador, rever todo o conteúdo dos três anos de colegial e esforçar-se para aprender aquela matéria (ou matérias, no plural, numa colocação mais apropriada) pela qual você tem repulsa. Porém, é um período de amadurecimento que, em última análise, testa sua autodisciplina.

DIVERSÃO
Porque ninguém é de ferro

    Esse é um dos conselhos mais corriqueiros que costumam dar, talvez por sua relevância. Tome um tempo para si toda semana, nem que sejam as últimas horas do domingo. Sou um pouco suspeito de falar sobre festas e coisas do gênero, pois eu gastava a maior parte do meu tempo livre ficando em casa, lendo, escrevendo, ouvindo música e pensando nas coisas da vida. No entanto, não me arrependo; esta era a minha diversão. Cada um tem a sua. Saia com os amigos, encha a cara, assista séries, faça tricô ou realize qualquer outra atividade que te faça sentir bem.
    Muita gente acha que dedicar-se 24h por dia aos estudos significa necessariamente um desempenho excelente, mas é bem provável que o efeito seja justamente o oposto, por conta da inevitável sobrecarga. Além disso, é uma questão de garantir-se; se você sente uma necessidade enorme em passar o dia todo estudando, é porque está aproveitando muito pouco das aulas ou porque não confia no próprio taco. Estudar em ritmo obsessivo pode atrapalhar atividades vitais e causar um desequilíbrio mental muito grande, sendo contraproducente à própria aprendizagem.
    A vida não pode parar só porque os estudos continuam. A frase é clichê, porém verdadeira: você estuda para viver, e não o contrário.

DICAS DE ESTUDO
Porque saber a Lei de Markovnikov não basta

    Algumas dicas importantíssimas:
    I. Tire da sua cabeça que é necessário absorver tudo sobre tudo, como uma máquina faria. Você não precisa gabaritar o vestibular, a menos, é claro, que queira Medicina. Acalme-se, vestibulando de Medicina, a parte tachada é brincadeira; você pode largar a gilete, pausar a música da Demi Lovato e retomar seu pulso são e salvo junto ao mouse. Não é humanamente possível acertar tudo, pelo menos não em condições mentais saudáveis. Nem mesmo os que formulam as provas conseguiriam gabaritá-las, porque muito embora dominem suas respectivas áreas do conhecimento, jamais seriam capazes de dominar todas elas ao mesmo tempo, especialmente tendo a idade que você tem e com apenas cinco horas de prova à disposição. Se nem os formuladores das provas conseguiriam, qual o sentido em cobrar de si mesmo tal feito? O que você precisa é sair-se melhor que seus concorrentes, o que é radicalmente distinto de tentar ser um robô capaz de resolver todas as questões.
    II. Estude por gosto. Se você lesse um parágrafo escrito por mim em 2011, provavelmente cairia de costas. É impressionante o quão "gostar de escrever" mudou minha escrita. O mesmo vale para matemática, história e filosofia. Não serei hipócrita: é claro que não é fácil amar tudo, e química está aí para provar isso. Mas o modo com o qual você encara sua própria rotina de estudos pode causar resultados estrondosos. Ainda que não seja possível gostar de todas as matérias, procure adorar algumas, e as outras tornarão-se... suportáveis. O importante é jamais ver os estudos como obrigação, e sim como algo que é necessário para atingir seus objetivos e que pode perfeitamente ser aprazível. Deste modo, você estará estudando porque busca realizar seus planos a longo prazo, e não por um mero processo mecânico.
    III. Vai parecer um conselho óbvio e até repetitivo, mas a importância dele é maior do que você pode imaginar. Não decore; aprenda. Ainda que seja útil saber a Lei dos Cossenos, sua utilidade é reduzida a pó se você não entender o que está fazendo. Questionar "por quê?" durante as aulas ajuda a reduzir o abismo que existe entre a realidade e um conceito abstrato, e de quebra te faz criar um certo apreço pela matéria, o que acaba atendendo ao item II de um certo modo.
    IV. Faça simulados. Aliás, não faça, devore simulados. Isso treina sua resistência e seu psicológico para aguentar cada vez mais as cinco horas de prova a fio e, quando chegar o grande dia, você estará preparado ou, como gosto de dizer, anestesiado. Caso almeje alguma faculdade específica, tente fazer o máximo de simulados desta faculdade de modo a acostumar-se com o perfil de prova. O tipo de questão passa a ser previsível, na medida do possível, e você se familiariza com a natureza do vestibular que está prestando. No meu caso, fiz as provas da UFPR dos 8 últimos anos e garanto que isso foi de grande ajuda.

MOTIVAÇÕES
Acorde cedo de segunda a segunda com a cabeça erguida

    Vão existir dias em que o campo gravitacional da cama vai parecer maior, sim, mas são justamente nesses dias que você percebe o quão determinado está a atingir suas metas. Pesquise as universidades e os cursos almejados, veja imagens, converse com pessoas que o fazem. Não tenha vergonha; você descobrirá que seus futuros veteranos são mais receptivos do que pensa. Inspire-se e imagine-se daqui a algum tempo em sua vida ideal. Confesso que passei muitas horas do meu tempo livre observando as casas e apartamentos em grupos de dividir moradia no Facebook, imaginando como seria o meu cantinho quando eu criasse independência. É importante para dar um gás nos estudos.

PSICOLÓGICO
Saiba ser o seu próprio guia

    O estado psicológico do candidato ao fazer o vestibular é decerto um fator determinante. Por isso é essencial que você entre na sala de prova de cabeça erguida, confiante, ciente de que você estudou para estar ali e não simplesmente caiu de paraquedas, como alguns de seus concorrentes. Isso influi muito para que seu resultado final seja positivo.
    A culpa pode ser boa, no sentido produtivo, mas somente e tão somente se ela for usada a seu favor. Culpar-se por ter perdido aquela aula e usar isso como combustível para estudar algumas horas a mais daquela matéria, por exemplo, é uma boa. Todavia, sofrimento por sofrimento é prejudicial; pode ser um desestímulo letal. É preciso entender de uma vez por todas: há coisas que não dependem de você, como a concorrência alta, a dificuldade da prova, a escassez de recursos financeiros para pagar uma educação de elite. Identifique as coisas que fogem ao seu controle e não deixe que elas te atinjam. Concentre seus esforços em fazer o que está ao seu alcance — como estudar com o que lhe é disponibilizado, tirar dúvidas em momentos oportunos etc. — e, se ainda assim não for suficiente, pelo menos você não ficará martirizando-se pois terá dado o seu melhor.

SEJA GRATO
Esta conquista não é só sua

    Quando passar, uma boa parte do mérito será seu, claro. Você poderia ter esperado seu futuro cair do céu, mas foi atrás de construi-lo, tijolo por tijolo, dia após dia. No entanto, há mais pessoas por trás das cortinas fazendo o show acontecer.
    Seus pais ou responsáveis são aquelas pessoas sem as quais você jamais teria saído do lugar. O apoio deles é indispensável, seja pagando colégio, cursinho, transporte, alimentação, moradia, sustento ou qualquer outra coisa do gênero. Inclusive, não só o apoio financeiro, mas o psicológico também, que não é menos importante. Investir em alguém significa acreditar no potencial desta pessoa, e você deve saber reconhecer isso e ser profundamente grato a eles.
    O mesmo vale para seus professores. Todos eles. Pode parecer mero papo de moralista, mas não é: perceba que você não seria quem é hoje se não houvesse tido pessoas pacientes para transmitir o que jamais poderão roubar de você: o conhecimento. E é um trabalho acumulativo, pois você não teria sequer aprendido o Teorema de Pitágoras se não tivesse havido alguém para te ensinar potenciação na sexta série, e assim por diante.
    Com seus amigos não seria diferente.  Já vi gente sacrificando as amizades para devotar-se aos estudos e, acredite, é a pior coisa que alguém pode fazer. Amigos dão apoio psicológico e trazem seus pés ao chão nos momentos de estresse. Como diria Raul Seixas, "nunca se vence uma guerra lutando sozinho".