Humanidade de cristal

    Bem sabem os que acompanham meus devaneios noturnos pelo Twitter que sou cheio de teorias, no sentido mais banal da palavra. Não direi que tenho licença poética para isso pois reservo o direito de não ser apedrejado pelos leitores que não gostam de clichês; no entanto, é preciso dizer que, apesar das teorias em questão serem baseadas num certo empirismo, são tão mirabolantes que me sinto na obrigação de pedir que recebam-nas com bom humor e que não apliquem a elas rigor científico. Este texto é, antes de tudo, um desafogo de escrever tantos outros de compromisso com as convenções impostas estabelecidas pelo vestibular.
    Eu poderia falar aqui sobre minha teoria de que, quanto menor for um cachorro, mais demoníaco ele será, e igualmente maior será a probabilidade de meus vizinhos arrumarem um, ou sobre muitas outras maluquices cujo índice de aplicação é assustadoramente alto, mas falemos sobre algo mais construtivo. Não que o assunto realmente importe, já que cerca de oitenta por cento dos meus visitantes saem do blog sem ao menos ler uma frase. Sim, o Google Analytics está de olho em você — neste momento, inclusive! Brincadeira, brincadeira. Ou não. 

    Cortarei o papo-furado e colocarei as cartas na mesa: o ser humano é frágil. Imensa, terrível e irremediavelmente frágil. Sinta-se à vontade para espernear o quanto achar necessário, ou até esbravejar que esta é uma generalização que ofende a masculinidade alheia. O choro é livre.
    Ao nascermos, possuímos uma fragilidade tremenda. Contudo, ao contrário do que as pessoas preferem pensar, isso não muda à medida que crescemos. É que, com o tempo, acostumamo-nos com a solidão, com a decepção e aprendemos a resignarmo-nos diante do fato de que a vida deixa de corresponder nossas expectativas com uma frequência maior do que a suportada. Construímos uma carcaça que o próprio mundo nos exige, porém, dentro dela, continuamos tão vulneráveis quanto cristais.
    Eu, você, o padeiro, a executiva casca grossa, o general, os que vieram antes e os que ainda estão por vir; todos nós temos algum ponto fraco, ainda que uns demonstrem mais e outros menos. Ninguém escapa à regra. Um trauma, uma palavra específica que nos fere, o medo da rejeição social, ou mesmo alguém que, se pudéssemos, apagaríamos de nossa memória. Cada pessoa que encontramos na rua tem sua história e batalhas próprias, das quais somente ela tem consciência. As feridas estão lá, vivas, latentes, e podem ser muito dolorosas se não formos cuidadosos com onde tocamos.
    Tudo isso parece muito negativo, mas a boa notícia é que não somos robôs. You don't always have to be on top. E este é um dos motivos pelos quais deletei meu texto intitulado como "Sorria", no qual exaltei a felicidade a qualquer custo: porque percebi, depois, que sorrir nem sempre é fácil, e que nem todo palhaço é feliz. Parte da compreensão da nossa fragilidade diz respeito a, justamente, reconhecer que não somos de aço. Está tudo bem em abraçar o ursinho de pelúcia antes de dormir. Parece conversa de livro de autoajuda, mas não é. Este reconhecimento é, de fato, o primeiro passo para aceitar nossa pequenez humana e lidar com isso de modo humilde.

Publicidade infantil e o lucro ilegítimo

A minha crítica é que, apesar de haver vários temas oportunos que dizem respeito a este ano, como a Copa do Mundo, o problema da escassez de água em São Paulo, os cinquenta anos de Golpe Militar ou mesmo as questões territoriais dos curdos, palestinos, catalães e escoceses, o Enem resolveu propor uma temática completamente inesperada e descontextualizada. Isso fez com que, de certo modo, eu precisasse maquear minha falta de posição sólida em relação ao assunto utilizando um vocabulário rebuscado; talvez até demais.
Temática de redação do Enem 2014: "Publicidade infantil em questão no Brasil". Clique aqui para ler a proposta e a coletânea.
    A dinâmica social de um século atrás é, decerto, deveras distinta da atual, pois esta última engloba sistemas cuja tecnologia era impensável antes da Revolução Informacional. Parte disso está intimamente ligado com a mídia, a qual desempenha um papel decisivo na sociedade contemporânea, o que inevitavelmente implica em graves efeitos em nossa vida e na das crianças, embora alguns setores — especialmente os que lucram com isso — recusem-se a admitir.
    A relevância midiática em nosso modo de pensar e agir já foi brilhantemente notada e estudada pelos sociólogos da Escola de Frankfurt, precursora de um tipo de antropologia alemã. As consequências do consumo de informações são, conforme concluído pelos próprios estudiosos, profundas, sobretudo se este consumo for de cunho inconsequente e desenfreado. Tendo consciência disso e da perigosa influenciabilidade à qual estão suscetíveis as crianças, o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) determinou a abusividade de quaisquer propagandas que visem a este público.
    Esta decisão causou uma certa revolta e, inclusive, uma tórpida desconfiança na legitimidade do Conanda para estabelecer tal medida, o que revela o quão desesperadas estão as empresas deste segmento para lucrar, ainda que a custo de tirar proveito do razo e parco senso crítico das crianças. No entanto, por maior que seja a resistência corporativista, é não somente bem-vinda como também necessária a ação que impede o bombardeio de incentivo consumista ao público infantil. A criança deve sim ser preparada para o mundo, porém, jamais exposta prematuramente a ele de forma negligente.
    Nesse sentido, é genuinamente requerida a proibição de propagandas de natureza persuasiva aos pequenos, assim como já acontece em lugares altamente desenvolvidos tais como o estado canadense do Quebec ou a Noruega. Ademais, é preciso que o sistema educacional atualize-se e adapte-se à contemporaneidade, criando e aperfeiçoando uma matéria escolar de cidadania que obrigatoriamente abarque o consumo consciente, tendo sempre a razão como sustentáculo de modo a sobrepor a danosa influência midiática.