Reflexos sociais do capitalismo

O texto a seguir foi redigido com base na proposta de redação da FUVEST 2011: O altruísmo e o pensamento a longo prazo ainda têm lugar no mundo contemporâneo? Confira a proposta completa e a coletânea disponibilizada clicando aqui.

    Vivemos em um período paradoxal. Os indivíduos da sociedade constituem esta de forma solitária e individualista, o que é muito estranho, uma vez que toda a estrutura social — desde as menores até as maiores dimensões — deve se organizar coletivamente.
    As pessoas estão ficando egoístas e, ainda mais, se esquecendo de algo essencial à humanidade: a empatia. É ela a responsável pela compreensão e consideração mútua, por “se colocar no lugar do outro”. Este sentimento constitui a base de absolutamente todas as relações humanas: a de pai e filho, de aluno e professor, de motorista e pedestre e etc. E, tendo em vista os dias atuais, chega a ser desnecessário dizer que é cada vez mais difícil encontrar alguém disposto a sair da zona de conforto e ver o mundo com os olhos do próximo.
    Alguns, tal como o filósofo inglês Thomas Hobbes, que acreditam na determinante predisposição do ser humano a “ser mal”, certamente atribuirão a culpa a esta suposta natureza do homem. No entanto, quando se refere a assuntos tão graves e presentes como este, seria mais sensato buscar causas menos filosóficas e mais concretas e consenquenciais.
    A falta de empatia deriva da constante e excessiva pretensão do ser humano. Em outras palavras, deriva basicamente da ideia de “o que eu vou ganhar com isso?”, que provém das raízes mais profundas de uma sociedade: o sistema socieconômico. No caso, o capitalismo.
A falta de empatia deriva da constante e excessiva pretensão do ser humano. "O que eu vou ganhar com isso?"
    Os próprios mecanismo deste sistema trabalham de modo a criar nas pessoas um espírito individualista, não necessariamente por ganância, mas muitas vezes pela sobrevivência em si. Ao longo dos séculos, o capitalismo adquiriu tanta influência — principalmente através do uso da mídia como instrumento para modelar a mentalidade da massa populacional — que acabou sendo profundamente incorporado por nossa cultura.
    Esta influência não explica só a falta de empatia, mas também outros aspectos vigentes nos dias de hoje, como a estranheza das pessoas em relação às ações despretensiosas. Não há maior prova disso do que o próprio questionamento feito a Roberto Burle Marx, explicitado no trecho da revista Paisagem Escrita, quanto à suposta falta de sentido em realizar um ato que não o beneficiasse (no caso, referente à semente da Corypha umbraculifera, uma árvore que só dá flores cinquenta anos após o plantio).
    E é interessante pensar que a questão não pára por aí. Evidenciando ainda mais a participação do capitalismo na caracterização social, se destaca o imediatismo: as pessoas costumam evitar resultados a longo prazo, pois o próprio sistema faz com que elas pensem que “quanto mais rápido o lucro vem, melhor”. Isso decerto compromete a progressão saudável da humanidade, pois a essência desta é a determinação compartilhada e solidária, visando um bem comum, assim como é mencionado pelo escritor Z. Bauman, em seu livro Vidas Desperdiçadas.
    Tendo compreendido que a falta de altruísmo e pensamento a longo prazo são reflexos profundos de um sistema culturalmente enraizado, é preciso nos desapegar de esperanças ilusórias e encarar o problema de frente, tornando possível, assim, uma análise nem otimista, nem pessimista, mas realista.
    Está bastante claro que os rumos de alguns valores sociais (que englobam a empatia, a solidariedade, entre outros) estão à mercê do capitalismo, pois este rege todo um conjunto de questões, como a ecológica, a habitacional e a segregacionista. Assim sendo, é possível inferir que só poderá haver uma restauração significativa no espírito coletivo da sociedade a partir do momento em que os indivíduos que a compõem atribuírem uma valorização maior a outros fatores, que não a ascensão econômica. Enquanto isso não ocorrer, podemos esperar grandes catástrofes desencadeadas pelo consumismo irrefreável.