O tempo é nosso melhor amigo

    Numa dessas tantas bad vibes de noites chuvosas e músicas tristes, estive relendo alguns de meus escritos. O que alguns chamariam de narcisismo literário, eu chamo de introspecção textual. É a maneira que encontrei, já há alguns anos, de mergulhar em mim mesmo. Tempo, olhos, silêncio, insônia: estranhamente, essas são as temáticas mais recorrentes em meus textos líricos. Apesar de tantas coisas na vida não fazerem sentido, creio que esta não seja uma delas; a repetição de tais assuntos devem decerto dizer algo sobre mim. Investiguei as profundezas ocêanicas de minha mente e me propus a escrever mais a fundo sobre os devaneios poéticos pelos quais me arrisco ocasionalmente. Não é uma promessa aos poucos leitores que dão a mínima para o que aqui exponho, que fique claro; porém, se tudo der certo, e se eu dispor de um punhado de tempo livre em meio a tantas leituras jurídicas e acadêmicas, versarei sobre cada um desses temas citados. Este texto em questão, como confio que o leitor tenha concluído pelo título, tratará do tempo.
    O tempo é muitas coisas. É, primeiramente, engraçado, no sentido curioso e inusitado de sê-lo. Há exatamente um ano atrás, minha vida era outra. A cidade mudou, as amizade mudaram, as preocupações mudaram. Eu mudei. Se antes eu me esforçava para colocar a ênclise onde ela coubesse, hoje luto contra o juridiquês que já começou a impregnar meu estilo textual. Esse é apenas um exemplo banal, mas o fato é que somos verdadeiras metamorfoses ambulantes. Entre muitas oscilações, minhas ideias evoluíram significativamente, se é que se pode sequer entendê-las por uma ótica de progressão linear; de qualquer forma, em poucos meses aprendi e amadureci como jamais poderia ter imaginado. O tempo é irremediavelmente transformador, queiramos nós ou não.
    Tão irônico quanto se pode ser, o tempo debocha da teimosa mania do ser humano de arrogar para si uma tendenciosa previsibilidade e, só para divertir-se com a nossa confusão, mete os pés pelas mãos. Quando olhamos para trás, o tal ditado "o mundo dá voltas" parece ser verídico em todos os aspectos possíveis. Simplesmente não há previsibilidade. O amanhã é tão incerto quanto o clima de Curitiba. Justamente por isso, o tempo também pode ser deveras cruel. Ele tira as pessoas das nossas vidas e, às vezes, não precisa nem ceifá-las no intento de fazê-lo; elas se afastam tanto, pelos mais variados motivos, que, em pouco tempo, passam a ser desconhecidas.
    É difícil avaliar se o tempo afasta as pessoas por fazer com que as elas mudem ou se, no fundo, ele apenas revela como elas realmente são. Sim, porque o tempo e a verdade são amigos de infância: uma hora ou outra vão acabar encontrando-se. Eis a minha frase preferida: verita filia temporis. A verdade é filha do tempo. Queira o leitor, porém, perdoar-me pela brevidade deste parágrafo; por mais aprazível que seja discorrer sobre o quão franco o tempo é, não me estenderei muito nisso pois já o fiz em outra ocasião, num texto do ano passado.

    Ademais, o tempo não deixa de ser relativo. Não no aspecto da física de Einstein ou coisa do gênero; não estou me referindo precisamente ao tempo exato, indicado pelos relógios. Falo a respeito do tempo sentido pelos homens, um tempo que está mais ligado à percepção humana do que ao próprio conceito de tempo estático em si. O tempo psicológico que, com sua perpétua fluidez, brinca com o modo com o qual compreendemos a vida. Travesso, o tempo faz com que os cinco últimos meses pareçam-me mais longos e mais vivos que os últimos cinco anos, distantes e apagados pela memória.
(...) As coisas que perdemos sempre acabam encontrando um caminho de volta no fim, ainda que não seja da maneira que esperemos."
— Luna Lovegood
em Harry Potter e a Ordem da Fênix
    Se não nos fecharmos a ele, o tempo pode ser um ótimo professor e também o melhor remédio. Pode curar nossas feridas, por mais profundas que elas aparentem ser, e as cicatrizes que delas surgem são verdadeiros troféus a serem carregados. Claro: é preciso ter cautela para que a resistência ao sofrimento não nos torne insensíveis e frios, mas fortes e resilientes. Se usado de modo adequado, o tempo pode ser uma poderosa vacina contra infortúnios futuros. Um amigo, que, por sinal, é uma das pessoas mais fortes que já conheci até hoje, disse em uma certa tarde que gosta de encarar a fatalidades da vida não como algo que nos anestesie, tornando-nos inertes e indiferentes, mas calejados. Também aprecio muito essa maneira de conceber o tempo, especialmente por ver nessa acepção uma verdade que sempre se revela a longo prazo. Seja qual for o problema, o melhor conselho que posso dar ao leitor, bem como a mim mesmo, é: dê tempo ao tempo. O tempo é nosso melhor amigo. Confie nele e tudo há de ajeitar-se, ainda que à sua própria maneira. Pode parecer papo vazio de autoajuda, mas não o é: existe algo muito especial que o tempo guarda neste "à sua própria maneira". Trata-se de aceitarmos com humildade que o tempo age por caminhos que fogem à nossa pretensão de previsibilidade e compreendermos que mesmo a pior das tempestades alguma hora acaba, deixando, em lugar de um céu cinzento, um improvável arco-íris.