A inerência dos deveres aos direitos

    Debates com temática de longa data, como a questão do anonimato, vêm sendo suscitados com o advento de novas tecnologias que desafiam os padrões éticos — e mesmo legais — vigentes. Exemplo disso é o aplicativo Secret, que possibilita a publicação de mensagens anônimas e, ignorando o princípio jurídico da identificação disposto no inciso IV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, isenta o usuário de qualquer responsabilidade sob a premissa de fomentar a liberdade de expressão.
    Exceto em raros casos em que o anonimato se faz estritamente necessário para garantir a segurança da pessoa em questão, ele tende a ofuscar o campo dos deveres e passar a errônea impressão de que é permitido um tipo de liberdade de expressão indiscriminado e inconsequente.
    O que os que defendem dogmaticamente veículos como o supracitado recusam-se a entender é que, num Estado de Direito, os direitos dos quais estão dotadas as pessoas são necessariamente acompanhados de deveres. A sua liberdade de expressão é válida, porém, esta não pode ultrapassar as liberdades individuais de terceiros, tais como a dignidade e a integridade, que são absolutamente invioláveis de acordo com cláusulas pétreas — e portanto imutáveis — constitucionais. A partir do momento em que alguém se dispõe a falar sobre alguma pessoa, este alguém está automaticamente vulnerável às consequências legais.
    Contudo, estão enganados também os que, em contraponto, argumentam a favor da aniquilação de tais sistemas virtuais por uma espécie de "mão-de-ferro", adaptando para a política o termo elaborado pelo economista Adam Smith. Uma repressão estatal é inútil, pois cobre apenas superficialmente o problema e não altera a estrutura basilar deste, que é a tacanha mentalidade popular. Em lugar desta solução ineficiente, cabe uma regularização de tais tecnologias, de modo que, mesmo com o anonimato entre usuários, existam mecanismos que permitam aos órgãos jurídicos competentes identificar, apurar, julgar e, se for o caso, punir legalmente os responsáveis pelo desrespeito à Constituição, cuja validade também se aplica à esfera virtual.
    Em concomitância, são bem-vindas medidas preventivas a fim de educar e conscientizar a população, difundindo a noção de responsabilidade perante a sociedade e perante a lei, além de promover o debate para modelar aos poucos o ideário popular visando a uma efetiva mobilização.