Chutemos a etiqueta e a polidez para escanteio: brasileiro tem nojo de política. Sua animação em ano de eleição é a mesma de alguém que se casa pela vigésima vez após ter sido traído em seus dezenove matrimônios anteriores. As mesmas promessas vagas, o mesmo cinismo, o mesmo comprometimento que não tarda a cair por terra com impressionante efemeridade.
Não se trata nem de uma questão partidária. No Brasil, não há esquerda e nem direita. Até os partidos que já fizeram parte de fortes reivindicações sociais, hoje já perderam seu compromisso com a ideologia. Esta já não vale mais de nada; é facilmente comprada. O Ministro Joaquim Barbosa foi muito feliz em sua colocação quando disse que em nosso país há somente "partidos de mentirinha". O PT da época das greves sindicais do ABC Paulista se envergonharia caso visse a postura de alinhamento à Bancada Ruralista que o partido tomou na última década de governo. O mesmo vale para o PSDB, cujos líderes tiveram profundas raízes políticas com a UNE e com o MDB, e que hoje tem sua integridade reduzida a pó. Essas duas menções são apenas a título de exemplo, mas a situação não é muito diferente para o restante dos partidos. Cabe aqui, portanto, o que Aristóteles cunhou como fronesis: saber distinguir com prudência o que diz respeito à ideologia, portanto à teoria, do que está relacionado à prática. É preciso que guiemos a discussão sob a luz desta última.
Está presente nas entranhas da máquina estatal de nosso país uma versão monstruosamente ampliada do "jeitinho brasileiro de ser". Embora a essência seja justamente esta, a desonestidade aqui não reside em cortar filas; quando nos referimos ao cenário político, ela é estrutural. É tudo de uma torpeza crônica nauseante: lavagem de dinheiro, manobras eleitorais que não passam de uma nova espécie de coronelismo, nepotismo, concessões irregulares e imparciais, e assim por diante. Chega a ser difícil acreditar que os responsáveis pela conjuntura política consigam ser tão ignóbeis a ponto de, mesmo diante da podridão do sistema, deitar a cabeça no travesseiro e dormir de consciência limpa.
Sem mencionar a descarada ironia presente em nosso Legislativo. Partidos têm a pachorra de se intitularem como Democratas (DEM) ou Partido Progressista (PP), estando estes ligados à ARENA do Regime Militar de 64. A pateticidade não para por aí: colocar um pastor abertamente homofóbico na Comissão dos Direitos Humanos equivale, em níveis de coerência, a permitir que Adolf Hitler presidisse uma Comissão de Defesa aos Judeus.
Os grandes veículos midiáticos — denominados por muitos o Quarto Poder, tamanha a sua influência na sociedade — são, no melhor dos casos, cúmplices. A população não tem voz; quando tem, como foi o caso nas manifestações de junho de 2013, é completamente desarticulada. Não mantém objetivos claros e concretos; em vez de reunir-se em torno de uma proposição legal específica, como o PL 480/2007, foca-se em reivindicações tão genéricas quanto as promessas eleitorais. Cartazes com dizeres como "QUEREMOS EDUCAÇÃO" só hão de ser levados a sério pelos governantes se soubermos como e sobretudo de quem exigir.
Ademais, a única coisa capaz de alimentar as esperanças de um povo deixado às minguas seria uma drástica reforma política. O voto compulsório, o mecanismo de aliança de candidatos (chapas eleitorais), os sistemas de representatividade verticais e indiretos, o financiamento empresarial a candidaturas, e muitos outros pontos precisariam ser revistos. Pautas como essas dão margem para muita discussão, e seria crucial para a consolidação de uma verdadeira democracia se os brasileiros pudessem tomar parte no assunto e sentir-se engajados com a política.
Não é um presidente, um governador ou um deputado que vai diminuir o abismo que existe entre a população brasileira e a política, sobretudo da noite para o dia. Ainda há esperança, porém não num cenário carregado de estagnação e conformismo. Resultados frutíferos só ocorrerão se houver conscientização do cidadão brasileiro, no sentido de ser menos complacente com o status quo e exigir mudanças sérias.