O Brasil e sua putrefação política

    Chutemos a etiqueta e a polidez para escanteio: brasileiro tem nojo de política. Sua animação em ano de eleição é a mesma de alguém que se casa pela vigésima vez após ter sido traído em seus dezenove matrimônios anteriores. As mesmas promessas vagas, o mesmo cinismo, o mesmo comprometimento que não tarda a cair por terra com impressionante efemeridade.
    Não se trata nem de uma questão partidária. No Brasil, não há esquerda e nem direita. Até os partidos que já fizeram parte de fortes reivindicações sociais, hoje já perderam seu compromisso com a ideologia. Esta já não vale mais de nada; é facilmente comprada. O Ministro Joaquim Barbosa foi muito feliz em sua colocação quando disse que em nosso país há somente "partidos de mentirinha". O PT da época das greves sindicais do ABC Paulista se envergonharia caso visse a postura de alinhamento à Bancada Ruralista que o partido tomou na última década de governo. O mesmo vale para o PSDB, cujos líderes tiveram profundas raízes políticas com a UNE e com o MDB, e que hoje tem sua integridade reduzida a pó. Essas duas menções são apenas a título de exemplo, mas a situação não é muito diferente para o restante dos partidos. Cabe aqui, portanto, o que Aristóteles cunhou como fronesis: saber distinguir com prudência o que diz respeito à ideologia, portanto à teoria, do que está relacionado à prática. É preciso que guiemos a discussão sob a luz desta última.

    Comecemos então pelo mais óbvio: a corrupção. Todas as esferas, desde a municipal até a federal, passando inclusive pelos três poderes, estão entupidas de parasitas do dinheiro público. Isto pode ser inferido não somente pela unanimidade popular como também por cinco segundos de reflexão. Como pode um país arrecadar aproximadamente R$ 55.000 por segundo[1] em impostos e ainda prover serviços públicos de tamanha precariedade? O retorno que a população recebe é ridículo. Para onde vai todo esse dinheiro? Evapora?
    Está presente nas entranhas da máquina estatal de nosso país uma versão monstruosamente ampliada do "jeitinho brasileiro de ser". Embora a essência seja justamente esta, a desonestidade aqui não reside em cortar filas; quando nos referimos ao cenário político, ela é estrutural. É tudo de uma torpeza crônica nauseante: lavagem de dinheiro, manobras eleitorais que não passam de uma nova espécie de coronelismo, nepotismo, concessões irregulares e imparciais, e assim por diante. Chega a ser difícil acreditar que os responsáveis pela conjuntura política consigam ser tão ignóbeis a ponto de, mesmo diante da podridão do sistema, deitar a cabeça no travesseiro e dormir de consciência limpa.
    Sem mencionar a descarada ironia presente em nosso Legislativo. Partidos têm a pachorra de se intitularem como Democratas (DEM) ou Partido Progressista (PP), estando estes ligados à ARENA do Regime Militar de 64. A pateticidade não para por aí: colocar um pastor abertamente homofóbico na Comissão dos Direitos Humanos equivale, em níveis de coerência, a permitir que Adolf Hitler presidisse uma Comissão de Defesa aos Judeus.
    Os grandes veículos midiáticos — denominados por muitos o Quarto Poder, tamanha a sua influência na sociedade — são, no melhor dos casos, cúmplices. A população não tem voz; quando tem, como foi o caso nas manifestações de junho de 2013, é completamente desarticulada. Não mantém objetivos claros e concretos; em vez de reunir-se em torno de uma proposição legal específica, como o PL 480/2007, foca-se em reivindicações tão genéricas quanto as promessas eleitorais. Cartazes com dizeres como "QUEREMOS EDUCAÇÃO" só hão de ser levados a sério pelos governantes se soubermos como e sobretudo de quem exigir.
    Ademais, a única coisa capaz de alimentar as esperanças de um povo deixado às minguas seria uma drástica reforma política. O voto compulsório, o mecanismo de aliança de candidatos (chapas eleitorais), os sistemas de representatividade verticais e indiretos, o financiamento empresarial a candidaturas, e muitos outros pontos precisariam ser revistos. Pautas como essas dão margem para muita discussão, e seria crucial para a consolidação de uma verdadeira democracia se os brasileiros pudessem tomar parte no assunto e sentir-se engajados com a política.
    Não é um presidente, um governador ou um deputado que vai diminuir o abismo que existe entre a população brasileira e a política, sobretudo da noite para o dia. Ainda há esperança, porém não num cenário carregado de estagnação e conformismo. Resultados frutíferos só ocorrerão se houver conscientização do cidadão brasileiro, no sentido de ser menos complacente com o status quo e exigir mudanças sérias.