Controle

    Às vezes eu gostaria que houvesse em mim um interruptor. Poderia, assim, permanecer acordado, pelo menos até quando eu próprio dispusesse do contrário. Estou farto de ter um súbito refluxo de inspiração em plena madrugada, quando as energias já me traem e os olhos ardentes me cobram as horas mal dormidas. Situação inversa também acontece com uma frequência inconveniente: não são poucos os dias em que me vejo amigo da disposição, por vezes de forma tão intensa que eu não conseguiria pregar os olhos nem se assim quisesse, mas que não me iluminam nem mesmo lampejos de inspiração. Meu cérebro parece ter assumido como função primeira a de sacanear minhas vontades sempre que possível, e, até onde pude constatar, tem sido bem sucedido nisso.
    Existe uma enorme gama de remédios dos quais eu poderia fazer uso para resolver esta questão, estou certo disto. Se estou disposto a pegar atalhos para obter este tão desejado controle sobre meu próprio corpo? Bem, a que custo? Criar voluntariamente uma dependência com a indústria farmacêutica, que lucra com as enfermidades alheias, e depois tornar-me escravo desta própria decisão inicial? E, além disso, abdicar de alguns anos de vida e, por que não, de uma considerável dose de sanidade? Não, obrigado. Como pode ver, o interruptor existe, mas não é um bom negócio.
     Talvez seja tolice minha, afinal. Pensamento bobo de quem cresceu acreditando em livre arbítrio, lendo filósofos existencialistas porém humanistas, e de quem de repente se deparou com a verdade de que não somos e não estamos livres nem de nós mesmos — somos eternos prisioneiros de nossas próprias limitações. Certamente fui utópico se um dia pensei que seria capaz de dizer à mente teimosa que horas devo dormir, que horas devo permanecer acordado, ou mesmo convencê-la de que de nada adianta sofrer pelo que vão pensar. Muito pouco se aproveita deste tipo de conversa consigo próprio; dessa tentativa constante de convencermos a nós mesmos das verdades que queremos construir. No máximo, nasce um ou outro texto de fluxo de consciência, destes que em pouco tempo serão empoeirados e que ao cabo têm pouca ou nenhuma utilidade, e mais uma madrugada tentando ouvir o barulho da chuva lá fora em lugar dos próprios pensamentos.