Incertas certezas
(e vice-versa)

    Talvez uma das maiores mentiras que nos são contadas quando crianças é a de que a ordem dos fatores não altera o produto. Os que dizem isto decerto nunca leram Machado de Assis, pois quem leu, bem sabe a diferença entre um autor defunto e um defunto autor. Existe ainda a questão do velho amigo que não é velho, além de muitos outros exemplos que não vêm ao caso. O título, por outro lado, não só vem ao caso como também segue o mesmo padrão de ordem/sentido.
    Estou cansado das pessoas que têm incertas certezas; das que arrogam verdades absolutas e para isto fazem o uso, no melhor dos casos, da voz alta, como se o volume pudesse dar alguma autoridade ao que dizem, ou até mesmo do ad hominem. Digo "no melhor dos casos" pois em outras épocas o instrumento de propriedade argumentativa fora a brutalidade em sua forma mais violenta. Afinal, a Terra era o centro do universo e dá-lhe Fogueira Santa a quem não aceitasse isso.
    De incertas certezas a História já está carregada e disto o mundo não precisa. Certas incertezas, por outro lado, são bem-vindas. Ter dúvidas é reconhecer nossa defeituosa humanidade e dar o primeiro passo em direção ao conhecimento. É preciso acolher as incertezas e buscar saná-las com humildade. Ter o benefício da dúvida é poder dizer "não sei" sem medo, pois somos humanos e estranho seria se tivéssemos tudo na ponta da língua.
    Arrisco que talvez todo o extremismo pudesse ser evitado se as pessoas levassem suas incertezas mais a sério; se colocassem a arrogância de lado por um minuto e cogitassem a natural possibilidade de estarem enganadas. Se assim fosse, teríamos menos sangue e mais humanidade nas páginas dos livros de História.