A Previdência Social além dos números

O texto a seguir foi redigido com base na proposta de redação da FUVEST 2014, baseada em avaliar a posição do ministro de finanças do Japão, Taro Aso, de que "os idosos deveriam apressar-se a morrer". As opiniões atribuídas ao referido político japonês (...) são tão raras ou isoladas quanto podem parecer? O que as motiva? O que elas dizem sobre as sociedades contemporâneas? Opiniões desse teor seriam possíveis no contexto brasileiro? Como as jovens gerações encaram os idosos?
Confira a proposta completa e o texto disponibilizado na coletânea clicando aqui.

    O século XXI caracteriza-se, na melhor das hipóteses, como um período controverso. Se, de um lado, ele trouxe consigo uma importante onda de valorização dos direitos humanos, com a introdução de diversos assuntos nunca antes vistos na pauta de discussões, de outro, tem crescido também uma quantificação excessiva de tudo e de todos, na qual nada escapa à insensível conversão para valores monetários, ignorando toda a essência humana e reduzindo-a a meros números a fim de estatística e contabilidade.
    A declaração de Taro Aso, Ministro de Finanças do Japão, acerca do tema é nada senão o reflexo desta quantificação excessiva, aplicada à Previdência Social. Esta problemática, que diz respeito à dificuldade em atingir um equilíbrio financeiro entre a PEA (População Economicamente Ativa) e os idosos que necessitam dos recursos do Estado, é um dos principais desafios que praticamente todos os governos atuais são obrigados a enfrentar diante da perigosa forma que as pirâmides etárias não só poderão como vão adquirir, tornando-se, desta vez, uma questão inadiável.
    No que tange o Brasil, é preciso pontuar que embora a Previdência Social exista desde o começo do século XX, o assunto só ganhou mais enfoque quando se deram modificações e implementações significativas na década de 1930, com Vargas, em 1960, com Jânio Quadros e posteriormente no Governo FHC, já no final do século. Atualmente, tem-se visto um progresso inegável na área, afinal, pouco mais de 10% do PIB brasileiro é destinado a fins previdenciários. Ainda assim, os impasses são grandes: discute-se muito sobre qual seria a medida adequada no que diz respeito à inclusão da Previdência Privada, sobre o princípio da equivalência urbana/rural que, embora previsto pela Constituição, não se aplica na prática, e especialmente sobre o tão chamado fator previdenciário, que define o valor do benefício.
    Apesar destes empecilhos que divergem as opiniões, vale ressaltar a "janela demográfica" que o Brasil receberá, assim como alguns outros países, estimadamente nas cinco primeiras décadas do milênio. O termo se trata de um fenômeno geográfico bastante famigerado, no qual a população ativa no mercado ultrapassa a inativa. A oportunidade é rara e seria muito contraproducente desperdiçá-la com políticas banais que negligenciam a Previdência. É preciso aproveitar a dádiva demográfica de forma inteligente para que, a longo prazo, seja possível preparar o Brasil para o envelhecimento de sua população.
    A brutal frieza na fala de Aso, por si só, já diz muito. Transparece não só a visão que ele próprio tem dos idosos, como algo nada além de "estorvos", mas também o pensamento incutido nos jovens de grande parte das culturas, de que a população com idade mais avançada é tão inútil e facilmente descartável quanto um saco de batatas.
    Por maior que seja a necessidade de lidar com a questão a níveis macroeconômicos, é preciso, antes, ter como prioridade a qualidade de vida das pessoas. A postulação do Ministro japonês além de ser grotesca não faz o menor sentido, uma vez que atribui uma importância maior à economia do que à população, sendo que a primeira existe em função da segunda, e não o contrário. Os projetos econômicos têm de possuir sempre uma natureza humanitária, para assim não perder seu propósito. De nada adianta haver uma economia sustentável com superávits e poupança interna crescentes se a população é tratada como meros números sistemáticos e facilmente contornáveis.