Franqueza

    Sempre tive um compromisso com a verdade. Não só de papel passado, mas também de coração. E não é nem questão de moralismo, como algumas pessoas podem pensar.
    A vida se constrói de pequenas conclusões às quais chegamos ao longo dos anos. Dezoito primaveras foram-me suficientes para perceber que tinha razão minha avó quando dizia que mentira tem perna curta.
    Que me perdoem os céticos, mas é fato. Faço aqui uma constatação empírica, seja ela garantida pela Lei de Murphy, pelo Logos, pelos princípios herméticos ou pelo que preferir. Quanto mais mentiras você traça para contornar as situações — ou as pessoas —, mais evidente é o risco de enrolar-se na própria teia.
    Claro, não sejamos presunçosos: o tempo varia. Não é do dia para noite. Pode levar um mês, um ano ou dois milênios. No entanto, o organismo vivo que é a verdade trabalha para vir à luz. Nesse meio-tempo, o que pode ter começado com uma palavra se torna uma bola de neve. Você pode até pará-la em um determinado ponto e achar que se safou, porém, apesar de não ter percebido, ela sujou todo o caminho por onde percorreu.
    Não venho por meio deste propor a discussão de debates abertamente filosóficos, religiosos ou políticos, até porque as linhas seriam incontáveis se as verdades relativas fossem o assunto. Antes, refiro-me à falta de comprometimento com as verdades cotidianas; à mentira contada aos pais para ir à tal festa; à justificativa inverídica dada à namorada quando é questionado se está tudo bem.
    A solução obviamente não é fazer voto permanente de sinceridade e viver como um monge tibetano. Não é preciso extremismo: é mais simples que isso. A paz reside em evitar mentiras desnecessárias. Caso contrário, você falta com a verdade com tamanha naturalidade que passa a perder a sinceridade até consigo mesmo; por consequência, perde a confiança em toda a raça humana, pelo simples motivo de não tê-la nem em si próprio.
     Adianto desde já, porém, que cometem um grotesco equívoco os que hasteiam a bandeira do "sou sincero a qualquer custo". Sinceridade não significa dizer o que quiser a quem quiser. É preciso tomar cuidado para não tornar tênue a linha entre franqueza e crueldade. Os que não conseguem guardar comentários desnecessários para si próprios deixam transparecer a infantilidade ao lidar com o mundo que os cerca. Isso não é ser autêntico; é ser mal educado. É perfeitamente possível ser franco sem cair na deselegância; com empatia e gentileza, tudo se resolve. É só questão de saber como fazê-lo.
    Mas voltando aos que abraçam a mentira como se esta fosse um remédio rápido para as mais simples situações, é importante ressaltar que a natureza tem seus meios para fazer a verdade vir à tona. Trata-se de praticidade: se é somente uma questão de tempo para surtir as consequências, por que mentir? No final, a mentira acaba invariavelmente custando mais caro que a verdade. A verdade é filha do tempo.