Ponto

     O ser humano possui um certo problema com a abstração de grandezas.
    A barata que entra pela janela decerto deve ter escolhido a casa errada, especialmente quando não estamos em nossos melhores dias. Apenas uma chinelada é suficiente para fazermo-nos sentir grandiosos diante da tal e mostrar quem manda. A menos, é claro, que ela voe; aí complica um pouco. O mesmo vale para o mosquito que, sabe-se lá como, encontra a única parte de nosso corpo descoberta antes de dormir — a cabeça — e insiste em zumbir em nossos ouvidos. Apesar do inevitável tapa que damos em nossas próprias orelhas, mostramos que estamos no controle.
    No entanto, não é difícil perdermo-nos em pensamentos ao olhar para cima num dia aberto e deparar com o gigante céu anil, cujas nuvens macias estão mais longe do que nossa mente pode sequer imaginar. Ou, ainda, surpreendermo-nos com as pessoas que viram pequenos pontinhos aos nossos olhares quando decolamos pela primeira vez.
    Somos apenas alguns dos tantos outros pontinhos que já pisaram e que ainda pisarão na Terra. Ela própria, inclusive, é outro pontinho azul, no meio do nada e rodeada por uma infinitude de outros pontos.
    Não importa o quão grandiosos nos sintamos ao realizar uma proeza, o número de diplomas acadêmicos acumulados ou mesmo a quantidade de zeros no saldo da conta bancária. O fato é que, se um minuto de reflexão for-nos permitido, sentiremos nos ossos e na carne o quão pequenos somos.
    Perceba, entretanto, que não há nada de errado com isso. O que nos distingue dos pontos de tinta — ou de pixels, se preferir — é que nós, ao contrário destes últimos, possuímos a capacidade de falar, comer, chorar, tolerar, sentir. Temos, sobretudo, sonhos, amores e outros pontinhos pelos quais viver. E se nos é dada a oportunidade de fazê-lo, é preciso que façamo-lo, seja como for. Contanto, claro, que nos sintamos bem e nos asseguremos de que ninguém é prejudicado.
     Tudo que fuja disso — arrogância, complexo de superioridade, autoritarismo, malevolência alheia — não tem fundamento, justamente por basear-se na premissa de que alguns pontinhos são maiores que outros. Não. Pontos são pontos. A paz reside em aceitar nossa pequenez humana com humildade.