Escape


    Chega um certo momento em que a mente, tumultuada e ansiosa, só consegue ser exprimida em termos poéticos. Mas o que será de nós, reles mortais, que sabemos fazer poesia tão bem quanto andar de monociclo? Tentar, e recair no ridículo? Pois ainda que ninguém se importasse, nosso próprio julgamento será sempre o mais forte. Estamos então fadados ao silêncio? Ao afogamento de si em si? Sucumbiremos ao tédio, deixando que o ócio nos consuma por dentro?
    Já não sei. Um fluxo que extravasa não encontra limites, motivo ou solução. Um fluxo que escapa à compreensão até de si mesmo está irremediavelmente prometido ao descaso da multidão. Mas que pode nos oferecer a multidão, senão uma repressiva vigilância ou um solitário silêncio, como um Estado que pune mas não ajuda? Talvez a ausência seja mesmo mais cruel que a presença, pois não há com quem gritar; não há a quem culpar senão a nós próprios.
    Mas isso tudo é tolice. Pensar demais é a receita perfeita para o bloqueio. Uma estagnação sem precedentes que se nutre da enorme leva de pensamentos e possibilidades, sem real previsão de concretude. O tempo escapa aos dedos e a capacidade se dissolve em nossas próprias inseguranças. A disposição, encarregada de nos fazer levantar, foge quando é chamada. Debaixo do cobertor é sempre melhor; parece o esconderijo perfeito, onde nem o frio e nem o peso das expectativas nos encontram. Pena não ser possível escaparmos de nós mesmos.